O velho Lagemann
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Eu preciso confessar que torci muito para o desfecho do Campeonato Brasileiro da primeira divisão ficasse para o próximo final de semana. Não que eu tenha alguma coisa contra o Corinthians, apesar da sucessão de incidentes de arbitragem que favoreceram o clube paulista ao longo da disputa, mas é que eu precisava muito ter o espaço inteiro de uma coluna para escrever mais sobre a extraordinária conquista do Grêmio, na segunda divisão. Sem gastar mais uma palavra sequer com assuntos menores, passemos, portanto, à epopéia do Tricolor Gaúcho no estádio dos Aflitos.
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Antes de mais nada, lanço um desafio aos pesquisadores profissionais e amadores: duvifo que em toda a história do futebol alguma equipe tenha conseguido a façanha de ganhar uma partida com menos qautro jogadores em campo. Se, por acaso, algum rábula descobrir que num obscuro campeonato de uma obscura república caribenha tal fato tenha se repetido, aumentarei minha aposta: duvido que algum time tenha vencido uma partida com sete jogadores contra onze, com o gol da vitória obtido justamente no momento de maior desvantagem numérica. Da mesma forma, se algum habitante da Micronésia provar que em jogo pela quinta divisão da menor de suas ilhas, lá pelos idos dos anos 30, semelhante milagre haja sido perpetrado, aplicarei um xeque-mate: duvido que a impossível vitória tenha sido construída após marcação de um pênalti contra o time em desvantagem numérica.
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A maior da façanhas
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Podem procurar à vontade - os mais modernos no Google, os tradicionalistas na Enciclopédia Britânica ou no Real Gabinete Português de Leitura. Do alto da minha emoção com a inenarrável conquista gremista, eu garanto: nunca no mundo do futebol presenciou um prodígio como aquele que foi gravado em pedra, para sempre, pelos sete heróis jogadores de camisa azul, preta e branca na calorosa cidade do Recife, no último sábado. Quando Galatto, depois de 20 minutos de confusão, defendeu o pênalti do Naútico e Anderson, o jovem craque gremista marcou aquele gol agônico, meu pensamento voou. Mas precisamente para o interior do Rio Grande do ul, onde vive o pai do meu grande amigo Rudi Lagemann, alcunhado Foguinho, um gaúcho, gremista por devoção, botafoguanse por adoção, que mora na nossa Cidade Maravilhosa.
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Jamais encontrei o velho Lagemann, pai do meu amigo, do qual sei pouquíssima coisa além que é um típico e severo gaúcho, com jeito de colono alemão, que está no outono da vida, mas continua torcendo e sofrendo muito com o seu Grêmio de Foot-Ball Porto Alegrense. Conheço tão pouco o Seu Lagemann que sequer sei seu primeiro nome. Sobre o velho gaúcho tenho apenas mais uma informação: ano após ano, no Natal ou na noite de aniversário, ele recebe do filho uma camisa do time amado. E foi assim que, quando num balé hipnótico Anderson marcou o gol que deu ao Grêmio o mais impossível dos títulos de sua história, eu me flagrei pensando no vovô dos pampas. A camisa deste ano será guardada com enorme carinho por ele. Porque acho difícil que outra conquista do Grêmio - com a possível exceção do Mundial Interclubes, em Tóquio - despertará lembranças mais carinhosas num gremista apaixonado do que essa que talvez tenha sido uma das mais singelas de sua gloriosa história.
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Com um sorriso nos lábios
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Não sei quantas temporadas futebolísticas ainda serão acompanhadas pelo pai do meu amigo. Espero que sejam muitas. Tantas quantas as glórias do futebol gaúcho. Mas, aconteça o que acontecer, eu sei que naqueles momentos finais, quando a vida da gente - como relatamos chegaram a colocar um pé no outro lado do mistério - passa um filme em nossas cabeças, o velho Lagemann vai se recordar de três coisas muito importantes. A primeira delas será o título mundial, construído com dribles infernais e gols impossíveis de Renato. A segunda será, certamente, o gol de Anderson, que não devolveu ao Grêmio, mas o Grêmio à grandeza. Grandeza que se tornou pequena, quase acanhada, desde quando so gaúchos caíram no fim do ano passado. A última lembrança do Seu Lagemann? Quem sou eu para ter a pretensão de adivinhar coisas assim. Mas arrisco algo: pra min, a última e mais carinhosa lembrança do velho Lagemann será a imagem do seu filho querido chegando, ano após ano, com uma camisa do Grêmio novinha em folha para presenteá-lo. E, assim, ele poderá partir com um doce sorriso nos lábios.
Coluna retirada do Jornal JB Online, do Rio de Janeiro.
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