domingo, 26 de julho de 2015

Dia dos Avós

O Guarda-Chuva
     Quando minha avó ia sair de casa para morrer, fui visita-la. Já nem caminhava mais, abalada pelo câncer. Naquele dia, seria transferida para o hospital. Fiquei um tempo ao pé de sua cama, despedi-me, beijei-a, já ia saindo, e ela me chamou.
      - Que foi vó?
  Começou a fazer força para levantar. Apoiava-se no colchão, soerguia-se com dificuldade, arfava. Protestei:
     - Onde a senhora vai, vó?
    Não me deu ouvidos. Pôs-se de pé e saiu arrastando as pernas cansadas pela casa, eu atrás,  perguntando o que ela queria fazer, jurando que faria para ela, reclamando. Ela foi até a despensa, atrás da cozinha, e de lá tirou um guarda-chuva. Estendeu-o para mim:
     - Está chovendo. Tens que te cuidar.
     Em seguida, voltou para cama, para não mais se levantar.
Muito pensei sobre esse gesto da minha avó, praticamente o último da sua vida. Um gesto de amor. Quantas vezes ela fez algo parecido por mim, bem como meu avô, minha mãe, minha madrinha... Quantas vezes. E eu? O que lhe dava em troca? Eu, mais preocupado com o que fazer no fim de semana, com a namorada, com o chopinho com os amigos, eu lhe dava quase nada, eu lhe oferecia migalhas, e muito lamentei por isso, depois que ela se foi.
     Mas hoje, com meu filhinho nos braços, entendo a minha avó. Porque ele é tão pequeno, ele não tem nada para me dar, além de um sorriso. Um sorriso, apenas, um pequeno sorriso. Só que... não preciso de mais. O que sinto por ele preenche o espaço de amor que existe entre nós. Assim, um sorriso já é minha boa recompensa. Um sorriso é o que me basta. Tomara que tenha dados sorrisos bastantes para a minha avó, tomara, tomara, tomara que pelo menos sorrisos não lhe faltassem, porque o amor que ela tinha por mim não faltou.

David Coimbra - Livro "Meu Guri".

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