Antes do ator Daniel
Craig ser confirmado como o novo James Bond do cinema, havia uma onda de boatos
que prenunciava Clive Owen no papel. Lendo uma entrevista com Owen, ele disse
que essa foi a melhor coisa que nunca lhe aconteceu, pois quanto mais ele negava
a informação, mais se falava sobre ele. É uma maneira de se divertir com o
destino, mas a frase que ele usou é tão boa que deixemos o bonitão pra lá e
vamos adiante: qual foi a melhor coisa que nunca lhe aconteceu?
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Comigo, acho que foi
aos 14 anos de idade. Eu iria para a Disney com a família e alguns primos.
Estava ansiosa pela viagem, quase não dormia à noite. Seria minha primeira vez
no Exterior, um acontecimento. No entanto, uns 10 dias antes de embarcar, o
governo estabeleceu um tal imposto compulsório que tornou a viagem proibitiva.
Fim de sonho: não haveria grana para bancar a aventura. Os passaportes novinhos
em folha foram para o fundo da gaveta e eu passei mais uma noite sem dormir, só
que dessa vez de tristeza.
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Era julho e minhas
férias escolares se resumiriam a ficar em casa. Porém, haveria uma excursão do
colégio para a Bahia, e muitas de minhas colegas de aula iriam. Pensei: nada mal
como prêmio de consolação, trocar o Mickey pelo Pelourinho. O preço era uma
merreca se comparado a uma viagem aos States. De ônibus até Salvador,
imperdível! Virei, mexi, implorei, consegui a última vaga e fui. Resultado:
voltei com meia dúzia de amizades tão fortalecidas que, até hoje, somos como
irmãs. Tenho certeza de que se eu não houvesse viajado com elas, eu jamais teria
entrado para o grupo que pertenço com orgulho até hoje. A Disney foi a melhor
coisa que nunca me aconteceu.
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Fico imaginando as
histórias que podem não ter acontecido com você. Namorar uma pessoa por oito
anos e romper dias antes de subir ao altar: não ter casado pode ter sido a
melhor coisa que nunca lhe aconteceu, vá saber o que o destino lhe ofereceu em
troca. Ou você não ter passado num concurso. Nunca ter recebido a ligação que
tanto esperava. Nunca ter recuperado um objeto perdido que o deixava preso a
lembranças paralisantes. Ter ficado com fama de ter sido o grande amor de uma
modelo espetacular: na verdade, ela nunca olhou pra você, mas um mal-entendido
fez com que muitos acreditassem na lenda e até hoje você recebe os dividendos:
foi a melhor coisa que nunca lhe aconteceu.
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É uma visão generosa
da vida: imaginar que os não acontecimentos fizeram diferença, que você está
onde está não só por causa das escolhas que fez, mas também pelas especulações
que nunca se confirmaram. Ao manter esse caráter desestressado, eliminamos a
palavra derrota do nosso vocabulário e a alma fica mais aliviada, o que não é
pouca coisa nesse mundo em que tanta gente parece pesar toneladas devido ao mau
humor e ao pessimismo. Cá entre nós, viajar de Porto Alegre até Salvador de
ônibus para passar três dias e voltar, e achar isso uma beleza, é a prova de que
ter o espírito aberto funciona.
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Texto de Martha
Medeiros, publicado na Zero Hora de hoje.
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