Eu queria que esse prédio tivesse 30 andares. Ou de repente dois. Se tivesse 30 eu ia fazer amizade com todo o mundo que mora aqui. Se tivesse dois eu não ia falar é com ninguém. Mas se tivesse dois andares eles não iam precisar de ascensorista. Um elevador de dois andares não precisa nem de botão. Tinha que ter é 30. Nove andares é que não dá. Quando o rapaz do 701 fala bom dia seu Zé, eu digo bom dia, como vai o senhor, e ele diz mais ou menos a minha hérnia voltou a atacar, e eu digo tem um remédio excelente pra hérnia, é só pegar um pouco de sálvia e colocar num potinho, pronto já chegou no sete. Ele diz me explica da próxima vez pra gente não prender o elevador, só que ele não vai lembrar de perguntar e nem eu vou lembrar de contar e mesmo que eu lembre não vai ter mais clima nenhum de falar de hérnia. A gente só quer falar de hérnia quando a gente tá com hérnia e olhe lá, uma vez minha esposa disse. Isso foi antes dela me largar. Ela disse que eu só falo coisa que não interessa a ninguém na hora que ninguém quer saber. Mas isso faz muito tempo. Ela não falava era com ninguém. Mas ela não mexia com elevador. Aí é fácil. Quando a gente mexe com elevador é diferente. A gente mexe com seres humanos. E acaba se envolvendo. Nove andares é o bastante pra ouvir um pouquinho da conversa da moça bonita que trabalha no 902 e saber que a patroa dela não gosta de batata corada, só de batata noisette, e quando eu perguntocomo é que é uma batata noisette, ela diz é redondinha e crocante, e quando eu pergunto como é que faz batata noisette, já tá na altura do sexto andar e eu penso que não vai dar tempo dela explicar, e quando eu penso isso já tá no sete e ela diz é complicado não vai dar tempo de eu explicar, e aí eu digo bem que o prédio podia ter 30 andares só pra você me explicar, e ela diz Deus me livre, morro de medo de altura, e daí eu ia dizer se o prédio tivesse 30 andares a gente podia até namorar, e ela ia dizertaí, isso não é uma má ideia, daí a gente ia parar o elevador e namorar ali mesmo. Se o prédio tivesse 30 andares. Só que não tem. E a porta já abriu há muito tempo e ela já foi embora e disse tchau seu Zé. E eu não namorei ninguém. E não fiz nem uma amizade daquelas de sair pra tomar uma cerveja depois do expediente. Ah, se esse prédio tivesse 30 andares. Mas não. Minha mulher é que tinha razão. Eu não vou mais falar é com ninguém.
*** Texto escrito por Gregorio Duvivier para a Folha de São Paulo.
*** Texto escrito por Gregorio Duvivier para a Folha de São Paulo.
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